Todas as manhãs saía descalça até ao jardim, só para sentir as diferentes temperaturas, ora da madeira, ora da pedra, e por fim da relva. Para sentir as texturas opostas na planta dos seus pés, por vezes fechava os olhos quando sentia a diferença do piso e ficava uns instantes em silêncio. Saía pela porta e com as suas mãos geladas, apertava o casaco contra a sua cintura, para que não houvesse nenhum sítio onde o ar fresco pudesse entrar, sem ser nos seus pés e na sua face.
Chegava ao fim do jardim, inspirava profundamente como se quisesse que todo o ar do mundo lhe coubesse nos pulmões, olhava o céu e murmurava as suas intenções para aquele dia. Desejava que as intenções fossem mais longínquas e que pudesse de uma vez só dizer o que queria para a vida. Debatia-se sempre com meias verdades, sabia que o que queria hoje podia não querer amanhã. Por isso, aprendeu que o melhor para ela seria fazer apenas as intenções para aquele dia.
Depois virava-se num ápice e corria com toda a velocidade até à porta de casa, fitava o vidro da porta e conseguia ver o seu reflexo. Todas as manhãs, ao cruzar-se com aquela imagem, percebia que aquele rosto era familiar, sentia a responsabilidade da ancestralidade do mesmo. Como se cada um dos seus traços representassem toda e qualquer mulher da sua linhagem.
Isso servia para a lembrar do quão corajosa podia ser, ao mesmo tempo que lhe era permitido sentir-se vulnerável. Usava esse reflexo como referência, conseguia visitar todas as histórias dos seus antepassados e isso dava-lhe a sensação de que ainda não sendo imortal, era difícil de derrubar.
Entrava pela porta a dentro, como se entrasse no coração das pessoas sem medo do que pudessem pensar sobre ela.
Começava mais um dia, cerrava os punhos enquanto o café se fazia, olhava por cima do ombro a ondulação do seu cabelo e sorria.
O dia tinha começado…
Abraço
Raquel Santos
Gostei muito 😘
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Obrigada Elisabete 🙂
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